Poesia & Conto

Poemas | Marcelo Mário de Melo

Foto de Ave Calvar na Unsplash

O CORREDOR

Sob o peso da idade
caminhar no corredor
ocorre em passos lentos
que mais lentos vão ficando
até os pés estancarem.

Mas como compensação
o corredor vem andando
encolhendo em seu tamanho
num feitio de sanfona.

Até o ponto de encontro
até o ponto de corte
anda o corredor da morte.

 

HISTORINHAS

As fadas
as bruxas
a dançarina da caixinha de música
os soldadinhos de chumbo
os bonequinhos de barro
as estrelas
os bichos
as flores falantes
os heróis dos livros
gibis e filmes
viajaram
para nuvens distantes.

Mas de vez em quando
eles pousam
nos parques da mente
e desfiam aventuras
tecidas em lembranças infantis
adulteradas
adultoAradas
em sonhos e desejos
de adulto.

 

APRENDIZADO

Entrei na perna do pinto
saí na perna do pato
fiz treino de macaquice
estudei pulo de gato
tive aula com a raposa
a coruja me deu trato.

Quem me deu esse roteiro
foi o grande mestre João Grilo
com mestrado e doutorado
que faz do grama um quilo
dá o nó no pingo d’água
com humor e com estilo.

Me inspirei nesse mestre
e para melhor dar pé
recorri ainda a aulas
com o Barão de Itararé
os palhaços as crianças
e os doidos com muita fé.

Passo tudo na peneira
tecida nessas lições
transitando reticências
porventuras e senões
quebrando as velhas bitolas
e os quadrados refrões.

Vivo assim pela vida
tirando as roupas de tudo
arrancando a peruca
do falsário cabeludo
revelando a fala oculta
de quem se finge de mudo.

Denunciando artimanhas
artifícios e ilusões
de mandados e mandantes
nos becos e nos salões
tirando as peles dos olhos
ampliando as visões.

Este é meu aprendizado
a ele sou muito grato.
Com o roteiro na mão
esclareço cada fato
entrando em perna de pinto
saindo em perna de pato.

 

A REVOLUÇÃO DOS CRAVOS
CRAVANDO ATUALIDADE

“Sonho que não aprende a nadar, morre afogado” (José Cândido de Carvalho in Mágicos Municipais)

50 anos passados
dos fatos acontecidos
agora aqui revividos
numa comemoração.

Fazendo a louvação
ao rosário dos bravos
que a Revolução dos Cravos
pouco a pouco semeou
até que enfim brotou
e floresceu consistente
dando um passo à frente
e um passo decisivo
tendo como alvo e crivo
a derrota do fascismo
garras do salazarismo
nas terras do além-mar
a nação a sufocar.

A PIDE prisão censura
perseguição e tortura
cruel colonialismo
dominação e racismo.
Sobre o povo africano
sobrevida e desengano.

Se antes se esconderam
esses cravos irromperam
florando na praça pública
iluminando a república
no país de Portugal.

Reviravolta geral
renovando os horizontes
novas trilhas novas fontes
uma página virada
desafios na caminhada.

Rompendo o passado imundo
um sentimento profundo
de esperança e alegria
naquele histórico dia.

Constituiu um alento
diante do desalento
do Chile subjugado
Allende assassinado.

Trilhando a democracia
agora nova porfia
novas cartas sobre a mesa.
Democracia burguesa
as malhas capitalistas
anseios socialistas.

Findo o monstro do fascismo.
Guerras/neoliberalismo
devastando os continentes
novas cordas e correntes
no império do capital
dando o alerta geral
pedindo interpretação
e atualização
estudo luz e labuta
e novas formas de luta.

Fome mortes migrações
fake-news e outros senões
novas ondas direitistas
e mortalhas neofascistas
acinzentando o cenário
em qualquer fuso-horário
no Brasil e em Portugal
conquistando territórios
marcando pontos inglórios.

Que as vitórias passadas
agora sejam tomadas
em desafios ao presente.

Atuação diferente
uma esquerda renovada
muito mais enraizada
além do fio retórico.
Semeando o bloco histórico
entre as classes exploradas
populações degradadas
todos os discriminados
ofendidos e humilhados.

Além do associativismo
alargar o dinamismo
chegando à comunidade
arredores da cidade
onde o povo sobrevive
sofre habita convive
exposto no dia a dia
a engodo e demagogia
sendo alvo da direita
raposa sempre à espreita
usando a religião
na trama e no alçapão.

Vamos atualizar
alargar o nosso olhar
com novas sendas e trilhos
estendendo os rastilhos
alimentando a fogueira
na ciranda companheira
enfrentando o capital
no seu feitio atual
na vitrine pós-moderna
que seduz engana inferna
com o neoliberalismo
aliado ao neofascismo.

E nessa rima cruel
cumprindo o seu papel
no roteiro do abismo
há o nazi-sionismo.

Depois de 50 anos
entre acertos e enganos
cabe ao saldo brindar
sempre a acentuar:
saldo de democracia
resistência e rebeldia.

Depois vamos desenhar
em seguida articular
novos olhares e rumos
colher os sadios sumos
fazer multiplicação
entre o sim e o não.

Que o fogo da rebeldia
incêndio naquele dia
que libertou Portugal
como uma luz geral
ilumine os militantes
nos vindouros doravantes
com novos cravos plantados
nos canteiros alinhados
da lavoura libertária
da luta igualitária
no Brasil em Portugal.
Luta internacional.

 

fotografia de Marcelo Mário de Melo

Nota biográfica: Marcelo Mário de Melo é jornalista, escritor e ex-preso político do Brasil. Nasceu em Caruaru, no interior do estado de Pernambuco, e veio para o Recife em aos nove anos. Escreve poemas, histórias infantis, minicontos, textos de humor e teatro e notas críticas.

Vê a elaboração poética como o olhar que mergulha e voa, o espirarco-íris de portas abertas e andantes, sintetizando o pensentir humano nos mergulhos introspectivos, nas interações sociais e nas viagens cósmicas.

Tem diversos livros publicados, de literatura e jornalismo, sendo o último deles o Literavida Historias e Casos.

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