Cultura

O poeta tricolor | Leonardo Almeida Filho

poeta Armando Freitas Filho

Faleceu hoje, 26 de setembro de 2024, no Rio de Janeiro, o poeta Armando Freitas Filho. A notícia me pegou de surpresa e me encheu de um sentimento de vazio tremendo. Um grande poeta, um grande sujeito. Os bons estão indo embora, eu creio. Em 2012, por conta da publicação que, na época, fazíamos, eu e o poeta Paco Cac, da Revista Z de poesia, mantive contatos com o poeta Armando Freitas Filho. A proposta da Revista era que, a cada número, um poeta seria homenageado. Como, nessa época, eu ia muito ao Rio, coube a mim a tarefa de entrevistar Ferreira Gullar (para a edição número 3 da Revista Z) e Armando Freitas Filho (para o número seguinte). Trocamos mensagens muito agradáveis que versavam desde as coisas mais corriqueiras, como poesia e literatura, às mais complexas e muito sérias, como o futebol. Ele, torcedor do Fluminense, e eu, doente rubro-negro, nos demos muito bem. O poeta sempre se mostrou generoso, alegre, bem-humorado e dotado de uma inteligência, no jargão futebolístico, “diferenciada”. Atrevi-me até a enviar-lhe alguns poemas e, para o estômago inflado do meu ego, receber elogios do mestre, como este, em mensagem de 31 de outubro:

 

Belo poema, Leo! Belo, “sem fraude nem favor”. Poema de poeta feito.


Muito obrigado pela dedicatória e pela citação. Saiba de uma coisa:
poema “Grão” é um poema preferido; é um poema que eu adoraria fazer outro do mesmo tope. Abraço. Armando.. 

 

Em 2 de novembro, numa troca de mensagens, disse a ele:

 

Armando

 

Mês passado estive no “palácio Capanema”, na Rua da Imprensa. Fui resolver um probleminha de registro autoral no núcleo que funciona no 12o. Andar. Fiquei imaginando o jovem Drummond descendo do ônibus, adentrando o edifício, esperando o elevador, pensando nos versos da rosa do povo. Que viagem! Podia ver Graciliano, recém liberto, fazendo sua inscrição para o concurso de literatura infanto-juvenil. Quando o velho Graça morreu, o menino Armando talvez nem pensasse em poesia, mas bem poderia estar lendo “A terra dos meninos pelados” numa bucólica ruazinha da Urca. Que viagem!


Meu amigo, um bom fim de semana para ti.


Abraço

 

E ele me respondeu no dia seguinte:

 

Passei 27 dos 35 anos da minha vida de funcionário público federal no prédio do MEC. Carlos Drummond já tinha se aposentado em 1963, mas nos encontramos algumas vezes ali, pois ele ia buscar Lígia.


Quanto a Graciliano o vi uma vez, com 14 anos, e meu pai apontou
dizendo: “Ali vai um grande homem”. Muito obrigado pela visada
generosa da minha poesia. Espero um dia merecê-la plenamente. 

Com o abraço do Armando.

 

Em 2015, enviei pra ele os originais em PDF dos poemas que viriam a ser o meu primeiro livro de poesia, o “Babelical”. Em 22 de novembro ele me enviou essa mensagem, que, com a devida autorização do poeta, tornou-se a quarta capa do meu livro, lançado em 2018:

 

Pelo dedo se conhece o gigante; assim, também, se conhece o poeta, logo que ele aponta:

                             

                                 A mão toca o espaço

                                 entre o chão e o teto

                                 no vácuo

                                 me desfaço

                                 em madeira e concreto.

 

Nessa pequena amostra do livro, Versos de amor, escárnio e maldizer, Leonardo Almeida Filho, já deu para ver. Sua poesia se espraia, consistente, coesa, com marca autoral segura. Os poemas mantêm a linha e nenhum deles desaponta.O rigor não é aquele, que teme o erro e por isso é avaro, de superfície; o rigor que se lê e se sente aqui é decididamente destemido e visceral.

 

                                                                         Armando Freitas Filho

 

Em 29 de outubro de 2012 recebi essa mensagem, por email:

 

Caro rubro-negro roxo: espero que amanhã seu time vença o Atlético Mineiro para se salvar de vez do rebaixamento. Tive muito prazer em responder suas perguntas. Espero que goste das respostas, que seguem anexas. Muito obrigado pelo interesse e oportunidade. Por favor, me avise quando a revista estiver disponível.

 

Com o abraço do Armando.

 

9 perguntas para Armando Freitas Filho 

 

 

LAF –  Freud diz que “O escritor criativo faz o mesmo que a criança que brinca. Cria um mundo de fantasia que ele leva muito a sério…”. Poesia, para o senhor, é o Lego da linguagem? É uma brincadeira séria? Pedraria e pedreira?

 

Armando: Pode ser um Lego desde que incompleto. Como pedraria e pedreira.

 

LAF – Numa entrevista, o Senhor declara que a palavra “morte” é a sua preferida. O que é a morte em poesia?

 

Armando: Se disse isso, disse mal. Definitivamente, a morte não é a minha palavra preferida porque não a tenho; minha palavra preferida é a inevitável. Mas a morte é inevitável quando devia ser inaceitável.

 

LAF  – No início era “Palavra” (1963) e fez-se a luz do poeta. O Senhor, filho único de família católica, acredita em Pecado, Céu, Inferno, Deus, Diabo? A religião também é matéria de sua poesia?

 

Armando: Para mal dos meus pecados, acredito. E nem sei como aguento o peso dessa crença.

 

LAF  – Sua poesia tem um quê de infância, de descoberta, da dor e delícia do mundo.

 

Dentro do poeta habita um menino solitário lendo Robinson Crusoé?

Armando: Já disse num poema que não existia “menino antigo” em mim. O que existe, agora, é um velho, e, lá fora, o mar.

 

LAF  – Em “Lar”, (2009), a vírgula é um verso condensado? Uma alegoria comprimida?

 

Uma metáfora desenhada? Ou a vírgula é apenas uma vírgula?

 

Armando: Quem fez a capa de “Lar”, foi o designer Sergio Liuzzi. Foi dele a “vírgula” que na concepção inicial dele era um “trinco”. Somente agora percebo que trinco ou vírgula podem ser opostos: um tranca, outro destranca.

 

LAF  – Em 2013, a literatura comemora os cinquenta anos de “Palavra”. Sua atividade como poeta atravessa os anos de desbunde e chumbo, de censura e liberdade, de experimentações e retrocessos, e a tudo sobrevive numa poesia única, coerente, consistente, de qualidade inquestionável. Como o senhor avalia esse meio século de produção poética e o que espera para os próximos cinquenta anos de poesia?

 

Armando: Gostaria que minha poesia tivesse mesmo todos esses atributos que você viu nela. Vou investir nisso para merecer essas atribuições plenamente. Mas como o Lego que manejo é incompleto vou fracassar; mas pelo menos que meu próximo livro “Dever”, a ser lançado em maio de 2013 pela Companhia das Letras, possa incrementar um pouco, uma vírgula (indiscutível, nesse caso) que for, a tudo que escrevi antes. Quanto aos próximos cinquenta anos só os mais moços podem enxergá-los bem ou realizá-los bem. Não vou sequer lê-los, o que é uma pena. Por isso, declino de toda a esperança.

 

LAF  – Como anda o mercado de poesia no Brasil: Poesia ainda é coisa de confraria?

 

Armando: Poesia nunca teve mercado. Poesia ainda é coisa de confraria de ferozes.

 

LAF  – Quais os cinco poetas fundamentais da literatura brasileira e a qual deles, se lhe fosse permitido, concederia o Nobel?

 

Armando: A meu ver, os cinco são: Cláudio Manuel da Costa, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Ferreira Gullar. Concederia a Carlos Drummond de Andrade, mais vivo do que nunca.

 

LAF  – Em uma palavra: o que é poesia?

 

Armando: Poesia.

 

Essa entrevista nunca foi publicada, pois durante o processo editorial da Revista Z, o parceiro e editor Paco Cac, faleceu tragicamente e eu desisti de tocar o projeto sozinho. Trata-se portanto, de material inédito. 

 

Leonardo Almeida Filho

 

Fotografia de Leonardo Almeida Filho

Leonardo Almeida Filho (Campina Grande/Paraíba, Brasil, 1960), professor, escritor, músico. Mestre em literatura brasileira pela Universidade de Brasília (2002), publicou Graciliano Ramos e o mundo interior: o desvão imenso do espírito (EdUnB, 2008), O livro de Loraine (Edição do Autor, romance, 1998), logomaquia: um manefasto (híbrido, 2008); Nebulosa fauna & outras histórias perversas (e-galaxia, contos, 2014 e nova edição impressa em 2021), Babelical (poemas, Editora Patuá, 2018), Nessa boca que te beija (romance, Editora Patuá, 2019), Grande Mar Oceano (romance, Editora Gato Bravo/Portugal, 2019 – Editora Jaguatirica, Rio de Janeiro, 2019), Tutano (poesia, Editora Patuá, 2020), Os possessos (romance finalista do Prêmio Candango de Literatura, Editora Patuá, 2021), Berro (contos, Editora Patuá, 2022) além de contos, crônicas e poemas em coletâneas, revistas e jornais. 

Como músico (violonista e compositor) participou de diversos festivais e gravou o CD Papo de Boteco, uma produção independente, em 2017, disponível no Spotify e na sua página no Youtube.

Blog de poesia: www.poesianosdentes.blogspot.com.br

Instagram: @leonardoalmeidafilho

Facebook: Leonardo Almeida Filho

e-mail: leo.almeidafilho@gmail.com

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