Ambos os idiomas surgiram de uma mesma raiz, mas seguiram trajetórias distintas. O português, devido à independência política de Portugal, consolidou-se como língua global, enquanto o galego foi gradualmente “absorvido” pelo espanhol, perdendo muito de sua autonomia e identidade, sendo constantemente agredido, tanto por monarcas tais como Isabel a Católica, ou ditadores, como Primo de Rivera e Francisco Franco (embora este ultimo fosse galego).
A partir do século XV, o galego começou a ser subordinado ao castelhano, uma tendência que se acentuou com o tempo, especialmente após a integração definitiva da Galiza ao Reino de Castela e a preponderância do castelhano como língua nacional.
Embora a normatização linguística do galego, sob forte influência da Real Academia Galega (RAG) aconteceria muito mais tarde, sendo ajustada para se aproximar mais do espanhol, afastando-se das suas origens lusófonas. Isso deu início a um processo de desvalorização cultural e linguística da língua e uma série de discussões e posicionamentos que perduram até os dias atuais.
Nesse contexto, surge o movimento reintegracionista, que defende o retorno do galego às suas raízes comuns com o português, argumentando que a integração no espaço lusófono seria uma forma de resgatar o prestígio da língua e oferecer novas oportunidades. Essa visão é compartilhada pela Academia Galega da Língua Portuguesa (AGLP), que propõe uma reaproximação com o português escrito e falado.
Atualmente, existem duas academias de letras na Galiza que simbolizam essa divisão. A Real Academia Galega (RAG) sustenta a normatização que aproxima o galego do espanhol, enquanto a Academia Galega da Língua Portuguesa (AGLP) defende o uso de um galego mais próximo do português. Esta fragmentação interna agrava o dilema do galego, que continua isolado dentro do Estado espanhol e que vai perdendo constantemente aos seus falantes.
A diminuição do uso do galego na Galiza, conforme os dados recentes do Instituto Galego de Estatística (IGE), reflete uma mudança significativa na dinâmica linguística da região. O fato de o uso exclusivo do castelhano superar o do galego preocupa os defensores da língua e cultura galega, pois o idioma é não apenas um meio de comunicação, mas um símbolo de identidade cultural. Em 2018, a maioria falava predominantemente galego, mas atualmente cerca de 30% usam apenas castelhano, o que representa um desafio para a preservação da língua.
Esse fenômeno pode estar relacionado a vários fatores, como a influência dos meios de comunicação em espanhol, o deslocamento geracional dos falantes, a percepção de maior utilidade do castelhano em nível nacional e mudanças demográficas. Também aponta para a necessidade de políticas linguísticas que promovam o uso do galego na educação, administração pública e na vida social.
O deslocamento geracional do galego é um fenômeno que evidencia uma mudança drástica no uso da língua entre diferentes grupos etários, especialmente entre os jovens. O fato de que um terço das crianças e adolescentes de 5 a 14 anos afirme saber “pouco ou nada” de galego, apesar de muitos de seus pais se comunicarem nesse idioma, indica uma ruptura na transmissão intergeracional da língua. Esse retrocesso, somado ao fato de que apenas 7% dos jovens usam exclusivamente o galego, reflete um ambiente onde o castelhano tem uma presença dominante e onde o galego perde relevância.
Em contraste, as gerações mais velhas, especialmente as pessoas com mais de 65 anos, demonstram maior competência e apego à língua. Essa mudança geracional destaca que, à medida que as gerações mais jovens adotam o castelhano como língua principal, o galego enfrenta um sério desafio em sua sobrevivência a longo prazo.
A situação é particularmente preocupante nos meios de comunicação e nas redes sociais, espaços-chave para a formação de identidades e o uso cotidiano da linguagem. Com menos de 20% da população assistindo à televisão em galego e mais da metade dos galegos lendo exclusivamente em espanhol, a língua galega fica marginalizada nos ambientes digitais e midiáticos. Esses dados sugerem que, sem medidas educativas e políticas mais eficazes, o galego pode continuar perdendo espaço em favor do castelhano, especialmente entre os mais jovens, comprometendo sua sobrevivência como língua viva e de uso cotidiano na Galiza.
A situação do galego no âmbito digital e nas redes sociais é alarmante, pois apenas 7% dos galegos navegam habitualmente nessa língua, enquanto 60% optam pelo uso exclusivo do castelhano em suas interações online. Isso reflete como o castelhano dominou espaços de comunicação moderna, deslocando o galego, especialmente entre as gerações mais jovens e urbanas. No entanto, há um claro desejo de revitalização: mais da metade dos entrevistados expressam interesse em encontrar mais conteúdo em galego na rede, sugerindo que a questão é de oferta e visibilidade da língua.
As diferenças geográficas e sociais ressaltam o desafio de preservar o galego. Nas grandes cidades, o retrocesso é mais notório: apenas 4% dos habitantes de Vigo afirmam falar sempre em galego, enquanto em Santiago de Compostela, o percentual é de 23%. Ferrol destaca-se pelo predomínio do castelhano, com 62% de seus habitantes utilizando-o de forma exclusiva.
Esse contraste entre áreas urbanas e rurais reflete uma Galiza linguisticamente fragmentada, onde o galego sobrevive com mais força em algumas regiões, mas está cedendo terreno em outras. A percepção de que se fala menos galego do que há cinco anos, compartilhada por um quarto da população, revela uma crescente preocupação com o futuro da língua, que parece estar em claro declínio, especialmente nos centros urbanos mais conectados globalmente, embora não se possa culpar a migração, quando grande parte dela são descendentes de galegos vindos dos países onde está presente a diáspora galega do século XX, tais como Brasil, Venezuela, Cuba, Uruguai, Argentina etc. Mesmo assim, não há programas eficientes de integração e difusão do uso do galego e sua visibilidade está muito por debaixo de outras línguas cooficiais tais como o catalã na Catalunha.
Nesse sentido a Lei Valentim Paz Andrade, promulgada em 2014, trouxe uma luz de esperança para os defensores da língua, pois reconhece a necessidade de aproximar a Galiza do espaço lusófono. No entanto, a aplicação desta lei tem sido limitada, e muitas das suas promessas continuam sem realização concreta. Iniciativas como o Observatório Galego da Lusofonia do IGADI – Instituto Galego de Análise e Documentação Internacional e a Associação Impulsora da Casa da Lusofonia também atuam com o objetivo de fortalecer os laços culturais e linguísticos entre a Galiza e os países de língua portuguesa, promovendo atividades e intercâmbios culturais que visam valorizar o galego dentro do espaço lusófono. Também não podemos esquecer de projetos importantes na área de cooperação internacional, como as Euro-cidades (Valença-Tui, Monção-Salvaterra, Chaves-Verin) com apoio da União Europeia, e a Euro-Região Galiza-Norte de Portugal, também com o apoio europeu.
Este que vos escreve, atuou como coordenador do Observatório Galego da Lusofonia durante aproximadamente 4 anos, no entanto as discussões infrutíferas entre reitegracionistas e não integracionistas, a guerra pela titularidade da origem da língua galaica e a obliteração muitas vezes do papel do Brasil (país com maior número de falantes e produção acadêmica e científica em português) lhe afastou desse objetivo.
Porém ainda é considerado um importante defensor do reintegracionismo, contribuído significativamente para a promoção do galego e sua conexão com o português.
“Em minhas publicações… Muitas delas presentes nesta prestigiosa revista, sublinho a importância da união entre as duas culturas, argumentando que a adesão da Galiza ao espaço lusófono seria a única forma de salvar o galego do desaparecimento. Vejo essa integração não só como uma questão cultural, mas também comercial. Ao atribuir um valor econômico ao “novo galego-português”, a Galiza poderia transformar sua língua em uma ferramenta poderosa de integração regional e internacional, oferecendo aos seus falantes novas oportunidades no mundo lusófono, além do mais, um espaço linguístico com diferentes regras ortográficas como no caso da lusofonia, facilmente poderia incluir o galego atual…”
A inclusão da Galiza no espaço lusófono permitiria que o galego ganhasse um novo status, não apenas como uma língua local, mas como parte de uma comunidade global de mais de 250 milhões de falantes. Este valor comercial e cultural poderia ser a chave para a revitalização da língua, transformando o galego em um idioma com prestígio e relevância dentro e fora da Galiza.
Wesley S.T Guerra
Wesley Sá Teles Guerra, poliglota e hispano-brasileiro, escritor, professor e internacionalista. Gestor do Fundo de Triangulação e Cooperação Internacional Portugal – América Latina – Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, autor dos livros “Cadernos de Paradiplomacia”, “Paradiplomacy Reviews the Rise of the Subnations, Cities and Smartcities” e “Manual de Sobrevivência das Relações Internacionais”, fundador do CERES – Centro de Estudos das Relações Internacionais, membro de diversas instituições internacionais. Especialista em Relações Internacionais, Paradiplomacia, Cooperação Internacional e Gestão de Smartcities.