Dinis
Era belo. Brilhante. De famílias. Do alto dos seus 22 anos, com o sorriso conveniente. Não havia rapariga que com ele não quisesse namorar.
Júlia aproximara-se mais. Colega de mestrado, conseguira captar-lhe a atenção.
Dinis, reservado.
Até lhe propusera um almoço.
O jovem, muito polido, mas na retranca.
Júlia procurou um professor que lhe era muito próximo.
– Afaste-se. Ele é um génio, mas como todos os de excelência há algo nele que não vai gostar-
-O quê?
– Não respondo. Sou amigo da família.
Júlia andava curiosa . Sabia que vivia sozinho. Andava sempre com um canivete.
Falou com Ema.
Dava-lhe uma verba considerável se chegasse à intimidade do jovem.
Ema era belíssima. Não havia homem que ficasse indiferente ao vê-la.
Como precisava de dinheiro, fazia uns fretes.
Foi fácil. Ema nem teve de meter conversa. Surgiu numa festa onde Dinis se encontrava.
– És de onde?
– Sou do nada.
Dinis gostou.
Convidou-a para ir à casa dele.
Quando Ema chega vê algo de inaudito. Uma casa térrea plena de cabeças de animais de caça em exposição. Um jardim imenso com animais engaiolados.
– Gostas de pato?
– Sim.
Dinis convida-a a escolher o animal para a refeição.
As gaiolas grandes espelhavam o desespero dos animais.
Ema, desconcertada.
Dinis aponta para um pato.
– Queres este?
– Pode ser.
Dinis retira-o com destreza.
Leva-o para um habitáculo onde ele próprio matava as vítimas.
Havia facas de todo o tipo.
Um cenário de morte.
Ema diz:
– Vais matá-lo?
– Claro.
Repugnada, afasta-se para outra divisão.
Mas Dinis provoca-a.
-Vem cá.
À medida que matava o animal com golpes certeiros, o sangue espalhava-se.
Ema,
– Desculpa, preciso de ir a casa.
E saiu o mais depressa que pôde.
Contou a Júlia o sucedido.
Esta lembrou-se do canivete que ele exibia.
Até ao modo como os olhos brilhavam quando se tratava de touradas.
O que faria às namoradas?
Foi mais uma vez ter com o professor .
– Sim. Passa pelos animais. Mas passa por outras coisas com namoradas.
– O quê?
– Passa por sangue.
– Mas ele mata-as?
– Não sei. Mas há um ritual .
– Mas ninguém o trava?
– A família dele é intocável.
Júlia sempre curiosa descobriu Ana que, num acidente grave, ficara sem os dois braços.
Depois de muita insistência e a medo lá referenciou que Dinis a decepara.
Recebia uma quantia em dinheiro para estar em silêncio.
Júlia, revoltada.
Quando regressava a casa ainda percecionou um vulto atrás de si.
A partir daí não se lembra de mais nada.
Já não acordou.
Cecília Barreira é actualmente professora de Cultura Contemporânea na Universidade Nova de Lisboa. Pertence ao CHAM, onde é investigadora de periódicos. Pertence aos grupos de pesquisa AMONET e IRENNE, sobre questões de género. Licenciada em História, com Doutoramento e Agregação em Estudos Portugueses, interessa-se particularmente pela História das Mentalidades. Publicou diversos ensaios e livros de poesia e neste domínio, estreou-se em 1984 com Lua Lenta. Seguiram-se A Sul da Memória (1987), Memórias de uma Deusa do Mar (1995), 15 anos de Alguma Poesia (1999), 7&10 (2003) e Cartas BD (2005), As Opções Ideológicas e o Fenómeno Feminista em Portugal (2009), Do Diário de Lisboa à Revista Maria (2016), Quirino de Jesus e Outros Estudos (2017) e Voando sobre um Ninho Fêmeo (2019).