Joaquim Nabuco (1849-1910) foi um dos mais brilhantes intelectuais brasileiros que lutaram pela abolição da escravatura. Ele via a escravidão como a raiz de muitos problemas da sociedade e defendia o seu fim antes de qualquer mudança política.
“A escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil”, disse ele, com grande antevisão, sobre o impacto duradouro do sistema escravista.
Em seu livro “O Abolicionismo”, de 1883, Nabuco afirmou que a abolição da escravidão era essencial, mas não suficiente. Seriam necessárias reformas sociais abrangentes após a emancipação dos escravos. A abolição seria o primeiro passo, que deveria ser seguido por melhorias profundas na estrutura social promovidas pelo Estado. A libertação dos escravos não seria suficiente para eliminar os danos sociais, econômicos e culturais resultantes de três séculos de escravidão. Sem reformas amplas, haveria um “prolongamento da escravidão” na vida social e cultural, mesmo após sua abolição formal.
Nabuco defendeu não apenas a abolição, mas também direitos civis para os ex-escravos e a concessão de terras para que pudessem recomeçar suas vidas, o que ele via como uma “minirreforma agrária”.
Racismo estrutural
Nabuco pregou no deserto e o que os sociólogos chamam de racismo estrutural se manifesta até hoje no Brasil pela desigualdade econômica, ausência de pessoas negras em cargos de liderança nas empresas e nos cursos das melhores universidades. O sistema de cotas, adotado por governos progressistas, amenizou o problema, mas não o resolveu.
No capítulo da violência, negros são as principais vítimas de homicídios e mortes em ações policiais no Brasil. A chance de um jovem negro ser vítima de homicídio é 2,5 vezes maior que a de um jovem branco.
O racismo continua sendo, não só no Brasil, uma das questões mais complexas enfrentadas pelas sociedades modernas. Apesar dos avanços em direitos civis e igualdade racial alcançados ao longo do tempo, o preconceito e a discriminação baseados em raça permanecem enraizados em muitas culturas ao redor do mundo.
O racismo tem suas raízes em séculos de exploração colonial e escravidão.
Durante o período das grandes navegações e colonizações europeias, a partir do século XV, desenvolveu-se uma ideologia de superioridade racial para justificar a dominação e exploração de povos não-europeus. O conceito pseudocientífico de “raça” surgiu no século XVIII como tentativa de categorizar a diversidade humana em grupos hierárquicos. Essas teorias raciais, desacreditadas pela ciência moderna, foram usadas para racionalizar sistemas de opressão como a escravidão, o apartheid e as leis Jim Crow, nos Estados Unidos, que determinavam a separação por raça nos locais públicos. Mesmo após a abolição formal da escravidão em grande parte do mundo no século XIX, as ideologias racistas continuaram presentes nas políticas e atitudes sociais. O racismo científico e a eugenia ganharam força no início do século XX, o que veio a culminar no horror do Holocausto nazista.
O racismo hoje
Embora as formas mais explícitas de racismo institucionalizado tenham sido superadas em muitos países, ele persiste em formas mais sutis e sistêmicas.
As discriminações raciais ainda existem em áreas como educação, emprego, moradia, saúde e justiça criminal. São desigualdades que resultam de políticas e práticas históricas que continuam a afetar comunidades marginalizadas. Comentários, ações e ambientes que significam preconceito e causam danos psicológicos às vítimas. Existem flagrantes estereótipos na mídia com representação limitada ou negativa de grupos raciais minoritários em filmes, televisão e outras formas de mídia que reforçam os preconceitos.
O racismo institucionalizado oferece todos os privilégios à população branca, que tem prioridade na saúde, educação e emprego. A European Network Against Racism (ENAR), uma rede pan-europeia de advocacia pela igualdade racial, acusa os países da União Europeia de racismo e preconceito. Os mais altos níveis de desemprego são entre os grupos de origem africana. Eles têm um índice maior de desemprego na Finlândia. Na Suíça, as empresas exigem dos candidatos a emprego uma fotografia como parte do currículo enviado. É uma forma de fazer a triagem em favor de candidatos brancos.
As redes sociais e fóruns online são os novos espaços que propagam discursos de ódio e ideologias extremistas. Os incidentes de violência motivada por ódio racial continuam a ocorrer em muitas partes do mundo, desde agressões individuais até ataques terroristas em larga escala.
A desigualdade econômica e a discriminação no mercado de trabalho e no acesso à educação perpetuam a pobreza e limita a mobilidade social nos grupos minoritários que são alvo dos preconceitos.
O racismo no Brasil.
No sistema prisional brasileiro, em 2019, os negros representavam 66,7% da população carcerária e eles são cerca de 54% da população total. Durante a pandemia de Covid-19, pretos e pardos morreram mais que brancos. Mulheres negras também sofrem mais violência obstétrica, dizem as estatísticas médicas.
O uso de expressões racistas no cotidiano, como “denegrir”, “a coisa tá preta”, etc., manifestam o preconceito também na linguagem de uso corrente. Há menor acesso da população negra ao ensino superior e a cursos de elite com flagrante discriminação no mercado de trabalho além da dificuldade de ascensão profissional e ocupação de cargos de chefia por pessoas negras.
São manifestações que resultam do processo histórico que criou e mantém privilégios para a população branca e perpetuam as desigualdades raciais nos diversos âmbitos da sociedade brasileira.
Não existe nenhuma base científica, política ou moral que fundamente qualquer tese racista. A pseudo filosofia nazista chegou a elaborar na Alemanha teorias de racismo científico que classificavam como raças inferiores judeus, ciganos, negros e eslavos. Foi uma tentativa de justificar a existência de uma raça superior, a raça nórdica, à qual pertenceriam os alemães, em oposição às raças inferiores. Estas, consideradas Lebensunwertes Leben (“vida indigna de viver”). O resultado foi o Holocausto e os maiores crimes que a Humanidade foi forçada a testemunhar nos últimos séculos.
Celso Japiassu: Poeta, articulista, jornalista e publicitário brasileiro. Trabalhou no Diário de Minas como repórter, na Última Hora como chefe de reportagem e no Correio de Minas como Chefe de Redação antes de se transferir para a publicidade, área em que se dedicou ao planejamento e criação de campanhas publicitárias. Colaborou com artigos em Carta Maior e atualmente em Fórum 21. Mora hoje no Porto, Portugal.
É autor de Poente (Editora Glaciar, Lisboa, 2022), Dezessete Poemas Noturnos (Alhambra, 1992), O Último Número (Alhambra, 1986), O Itinerário dos Emigrantes (Massao Ohno, 1980), A Região dos Mitos (Folhetim, 1975), A Legião dos Suicidas (Artenova, 1972), Processo Penal (Artenova, 1969) e Texto e a Palha (Edições MP, 1965).